1—O Provedor de Justiça veio solicitar a este Tribunal
que o mesmo apreciasse e declarasse a inconstitucionalidade
com força obrigatória geral—pois que
entende que se verifica violação do nº 1 do artigo 60.º
da lei fundamental, quando articulado «com as normas
constitucionais sobre o regime substantivo de restrições
a direitos, liberdades e garantias do artigo 18.º, n.º 2
e 3»—das seguintes normas:
A constante do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral
de transportes, aprovada pela Portaria
n.º 403/75, de 30 de Junho, alterada pela Portaria
n.º 1116/80, de 31 de Dezembro;
As constantes do n.º 1 do artigo 78.º, do n.º 1
do artigo 79.º, do n.º 1 do artigo 80.o, do n.º 1
do artigo 81.º, dos n.º 1 e 2 do artigo 82.º e
do n.º 1 do artigo 83.º (esta última na parte
em que refere que a importância da indemnização
não pode exceder o limite a que se refere
o citado artigo 78.º), todos do Regulamento do
Serviço Público de Correios, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de Maio.
A norma do citado n.º 1 do artigo 19.º da tarifa
geral de transportes, ao prescrever que o caminho
de ferro não responde pelos danos causados
aos passageiros resultantes de atrasos, supressão
de comboios ou perdas de enlace, tem por efeito
excluir a responsabilidade civil do caminho de
ferro por qualquer lesão, patrimonial ou não
patrimonial, que lhe seja, objectiva e subjectivamente,
imputada, rompendo, assim, o equilíbrio
entre dois sujeitos de uma relação jurídica
que, não obstante a empresa transportadora possuir
um substrato institucional público, deve qualificar-
se como uma relação jurídica privada de
consumo e que se há-de considerar sob a esfera
de protecção do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição;
O passageiro consumidor do serviço do caminho
de ferro encontra-se numa típica situação contratual
de adesão e, por isso, numa posição de
franca debilidade contratual e, sendo o direito
à reparação dos danos prescrito no n.º 1 do
artigo 60.º da Constituição um direito com natureza
análoga à dos direitos, liberdades e garantias
para efeitos de beneficiar do regime destes últimos,
a norma do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa
geral de transportes restringe de forma absoluta
aquela norma constitucional e o regime de protecção
que lhe é assegurado pelo n.º 1 do
artigo 18.º da lei fundamental, não podendo a
restrição à reparação dos danos, ditada por
aquele n.º 1 do artigo 19.º, ser considerada legítima
em face das exigências cumulativas que se
consagram nos n.º 2 e 3 do indicado artigo 18.º,
já que se não vislumbra a salvaguarda de qualquer
outro direito ou interesse constitucional
com significado, sendo que, deste modo, se torna
diminuída a extensão e conteúdo essencial do
direito à reparação dos danos;
As normas do n.º 1 do artigo 78.o, do n.º 1 do
artigo 79.º, do n.º 1 do artigo 80.o, do n.º 1 do
artigo 81.º, dos n.º 1 e 2 do artigo 82.º e do
n.º 1 do artigo 83.º, todos do Regulamento do
Serviço Público de Correios—ao disporem, respectivamente:
que, no caso de perda, espoliação
total ou avaria total do conteúdo de uma correspondência
registada, a indemnização não
pode exceder a quantia equivalente a 20 vezes
a taxa de registo paga; que, no caso de perda,
espoliação ou avaria de cartas com valor declarado,
a indemnização é a correspondente ao
valor real dessas perda, espoliação ou avaria, não
podendo exceder o valor declarado; que, no caso
de perda ou inutilização nos circuitos da empresa
operadora do documento apresentado para
reprodução, a indemnização é a correspondente
ao valor real da perda ou valor do documento,
não podendo exceder o limite estabelecido para
a perda da correspondência registada; que, no
caso de perda, espoliação ou avaria de encomenda
registada, a indemnização não pode exceder,
consoante as situações, o valor declarado,
para as encomendas com valor declarado, ou a
importância correspondente ao produto da taxa
de registo em vigor na data da aceitação pelo
factor 20, 30 ou 40, para encomendas até 5 kg,
até 10 kg ou de mais de 10 kg; que, no caso
de perda, espoliação ou avaria de um objecto
à cobrança, a indemnização é a correspondente
à fixada para uma correspondência ou encomenda
simplesmente registada ou com valor
declarado, ou, sendo o objecto à cobrança entregue
sem o pagamento da totalidade da quantia
devida, a correspondente à importância não
cobrada; que, no caso de perda de títulos à
cobrança, a indemnização é a correspondente
à importância do real prejuízo causado, não
podendo exceder o limite estabelecido para as
correspondências registadas —, vêm estabelecer
uma limitação ao direito de ressarcimento integral
dos danos que podem ser sofridos pelo
utente, representando um injustificado benefício
concedido pelo legislador ordinário aos Correios
de Portugal, S. A., com o correlativo benefício
negativo do consumidor que, se se servisse de
uma outra empresa postal, teria, em casos similares,
direito a um montante indemnizatório que
seria alcançado com os meios próprios do regime
da responsabilidade civil, designadamente o
resultante dos preceitos do Código Civil.