Entidade requerida: PSP de Viseu
1. A, na qualidade de administrador da Casa da Sé (hotel situado na zona histórica de
Viseu) solicitou à PSP de Viseu “o acesso a todos os registos de queixa (…) assim como os,
autos elaborados, e seu encaminhamento administrativo, desde 2011 inclusivé” sobre
determinados estabelecimentos/bares que identificou (cfr. pág. 2 do Processo
Administrativo – P.A.).
2. Solicitou ainda todos os “registos de denúncias (…), os autos de notícia, contraordenações
ou outra informação administrativa sobre desacatos, alterações da ordem
pública, vandalismo, intervenções do INEM com a presença da PSP, rebentamento de
petardos ou desordens de qualquer espécie no Centro Histórico de Viseu entre a meia
noite e as 8 da manhã, igualmente desde 2011, inclusive.” (pág. 3 do P.A.).
3. O requerente pretende acionar uma ação judicial contra diversas entidades, em virtude
de o seu negócio ser prejudicado com o ruído produzido pelos bares circundantes
(tendo inclusivé apresentado reclamações de alguns hóspedes), alguns deles a
funcionar sem estarem devidamente licenciados. Para tal necessita de ter acesso a
todas as queixas que foram apresentadas por si e por outros moradores relacionadas
com este assunto (págs. 12 a 15 do P.A.).
4. Em virtude de não ter obtido resposta, apresentou queixa à Comissão de Acesso aos
Documentos Administrativos (CADA).
5. Convidada a pronunciar-se, a entidade requerida respondeu o seguinte (pág. 8 do P.A.)
(…) foi o signatário da queixa, informado de que todas as participações e autos de contra
ordenação elaborados por ruído proveniente do interior de estabelecimentos,
funcionamento para além do horário, bem como o expediente relacionado com o
funcionamento de esplanadas, havia sido remetido à Câmara Municipal de Viseu,
Entidade com competência para organizar os processos e tomar a decisão final.
Quanto ao funcionamento de estabelecimentos por falta de Declaração Prévia o
expediente elaborado é enviado à ASAE, entidade competente para organizar o processo
e aplicar as sanções.
Pelo exposto deveria satisfazer o seu pedido junto das referidas entidades.
Não satisfeito com esta informação, veio apresentar novo pedido (…) o qual foi
respondido (…), onde para além do anteriormente informado foi ainda esclarecido que
dado não se conhecer o estado dos processos nas Entidades titulares dos mesmos, não se
poderia satisfazer a solicitação (…).
E que relativamente a expediente Criminal elaborado, o mesmo havia sido remetido ao
DIAP Viseu.
Esta PSP informou ainda o queixoso (…) que poderia consultar documento onde conste o
número de registo do expediente elaborado, tipo de infração, número de ofício e Entidade
de destino a quem foi enviado todo o expediente.”
6. Em complemento à queixa o requerente comunicou à CADA que consultou a referida
lista com 67 ocorrências (que juntou ao processo), mas que essa lista “não refere o
local, o estabelecimento, data, hora ou a descrição da ocorrência.” (pág. 11 do P.A.).
Por outro lado não constavam dessa lista, três registos que o requerente identificou –
NPP414022/2011,NPP350373/2013 e NPP377152/2013 (pág. 11 do P.A.).
Apesar de ter feito nova insistência junto da requerida, esta comunicou que já tinha
disponibilizado os dados que constavam no seu registo (pág. 18 do P.A.).
1. A CADA já se pronunciou (vide Parecer n.º 32/20151) no sentido de que a PSP2, quando
atua no âmbito das suas competências próprias, como é o caso, está sujeita à Lei n.º
46/2007, de 24 de agosto, diploma que regula o acesso aos documentos
administrativos e a sua reutilização, de ora em diante designada como Lei do Acesso
aos Documentos Administrativos (LADA).
A entidade requerida está, por isso, sujeita à LADA, conforme o disposto na alínea a) do
n.º 1 do artigo 4.º.
Serão deste diploma os preceitos normativos mencionados posteriormente sem
qualquer outra referência.
2. Consubstancia documento administrativo qualquer suporte de informação sob forma
escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma, na posse dos órgãos e entidades
referidos no artigo 4.º, ou detidos em seu nome [alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º].
O regime geral de acesso aos documentos administrativos consta do artigo 5.º: “[t]odos,
sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos
administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de
informação sobre a sua existência e conteúdo.”
Os documentos administrativos são, em princípio, de acesso livre e generalizado.
3. O artigo 6.º, n.º 5, refere-se à restrição de acesso aos documentos nominativos.
São nominativos os documentos administrativos que contenham, “acerca de pessoa
singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação
abrangida pela reserva da intimidade da vida privada” (alínea b), n.º 1, artigo 3.º).
É nominativo o documento que revele, por exemplo, informação de saúde, da vida
sexual, de convicções filosóficas, políticas, religiosas, partidárias ou sindicais.
Nesta mesma perspetiva, dando a palavra ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em 28
de Setembro de 2011, em decisão proferida no Proc. n.º 22/09.6 – IV – e), e citando o
Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 31 de Maio de 2006 «o que se pretende abranger
e tutelar é apenas “o núcleo duro da vida privada” e mais sensível de cada pessoa, como
seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se
pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas».
Os documentos nominativos são facultados aos titulares da informação e a terceiros
com autorização escrita ou que demonstrem interesse direto, pessoal e legítimo
relevante segundo o princípio da proporcionalidade (n.º 5 artigo 6.º); são “objecto de
comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria
reservada” (n.º 6 do artigo 7.º).
4. Está em causa o acesso a registos de denúncias sobre o funcionamento e ruído de
determinados estabelecimentos/bares e ainda sobre desacatos no centro de Viseu,
elaborados pela PSP.
5. Alega a requerida que não pode facultar o acesso, porque remeteu os documentos para
outras entidades.
Sobre a detenção de um mesmo documento, por mais do que uma entidade, a CADA já
se pronunciou (vide Parecer n.º 472/2015), afirmando o seguinte:
“Note-se, no entanto, que a detenção de um mesmo documento por mais de uma entidade
pública não permite a qualquer das detentoras a recusa do acesso com fundamento em
que uma outra o possa fazer, pois todas estão obrigadas a satisfazer os pedidos de acesso
que lhe sejam dirigidos.
Isto é, detendo a entidade requerida os documentos a que a requerente pretende aceder,
tem o dever de os facultar, sendo irrelevante que uma outra qualquer entidade pública
também os detenha [alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º]”.
6. Por outro lado, refere a requerida que os documentos foram carreados para processos
contraordenacionais3 ou crime e que por não saber o estado desses processos, não
pode facultar esses documentos.
A CADA também se pronunciou sobre esta situação, dizendo o seguinte (vide Parecer
n.º 461/2014):
“Por vezes, são carreados para o processo penal documentos (ou partes de documentos)
recolhidos junto da Administração Pública. Nessas situações, a Administração, mantendo
embora (normalmente) na sua posse o original ou cópia desses mesmos elementos, fica
impedida de facultar o acesso aos documentos em causa, enquanto o processo penal
estiver em segredo de justiça;
Caso os processos judiciais que integram não se encontrem sujeitos ao segredo de justiça,
os documentos administrativos, detidos ou na posse da Administração, são acessíveis nos
termos da LADA.”
Deste modo, a requerida apenas está impedida de facultar os documentos que estejam
inseridos em processos contraordenacionais e processos-crime pendentes e
abrangidos pelo regime de segredo de justiça.
Estabelece o n.º 2 do artigo 6.º que “o acesso a documentos referentes a matérias em
segredo de justiça é regulado por legislação própria.”
Todos os restantes documentos na posse da PSP são acessíveis nos termos da LADA.
7. Se eventualmente for solicitada alguma documentação referente a algum
procedimento pendente na PSP, aplica-se o n.º 3 do artigo 6.º, que dispõe o seguinte:
“O acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes
de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento
do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração”.
Acerca da aplicação deste preceito, a CADA (vide Parecer n.º 430/2015) proferiu o
seguinte:
“Este artigo confere ao sujeito passivo do direito de acesso uma faculdade e não um
dever: “(…)pode ser diferido (…).” (sublinhado nosso).
Cabe à entidade requerida decidir, caso a caso, sobre a aplicação desta restrição.
A moratória deste artigo justifica-se pela proteção do processo decisório (vide Parecer da
CADA n.º 21/2005).
A entidade requerida pode diferir o acesso para resguardar o processo decisório de
intromissões prejudiciais (vide Parecer da CADA nº 13/2007).
Ainda assim, atente-se que nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea c),a recusa
do acesso deve ser sempre fundamentada”.
8. No que diz respeito à natureza da informação pretendida, à partida, é não nominativa
e, por isso, de acesso livre e irrestrito.
Se, porventura, existir informação nominativa, nos termos em que a LADA a considera
(vide ponto II. 4), tem de se atender ao seguinte (Parecer da CADA n.º 446/2015):
“No acesso, não autorizado pelo titular, a documentos nominativos estão em conflito
normas respeitantes a dois direitos fundamentais: o direito à “reserva da intimidade da
vida privada e familiar” do titular da informação (artigo 26.º, n.º 1 da CRP) e o direito de
acesso aos “arquivos e documentos administrativos” conferido ao interessado na
informação (artigo 268.º, n.º 2, da CRP e LADA).
A prevalência de um daqueles direitos fundamentais relativamente a outro deve ser
aferida com observância dos princípios jurídico-constitucionais materialmente
enformadores de toda a atividade administrativa, nomeadamente de acordo com o
princípio da proporcionalidade.
Este princípio, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, decompõe-se em três
vertentes:
a) Adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem
corresponder a um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros
direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
b) Necessidade (as medidas restritivas são exigidas para alcançar os fins em vista, por
não se dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
c) Equilíbrio (ficam, assim, afastadas as medidas excessivas).
Os fins alegados e demonstrados pelo requerente permitirão verificar se o acesso
pretendido é adequado, necessário e não excessivo.”
Em face do exposto, parece-nos que o requerente deve ter acesso à documentação, na
medida em que demonstrou ser portador de um interesse direto, pessoal e legítimo,
pois comprovou ter sido prejudicado pelas ações que deram origem às queixas e
denúncias apresentadas à PSP e ainda em virtude de necessitar dessa informação para
poder reagir judicialmente contra tal situação.
9. Afirma ainda a requerida que forneceu toda a informação constante nos seus registos,
embora a requerente tenha dado indicação de três queixas que não estavam
mencionadas na listagem que lhe foi facultada (vide ponto I.6).
Nos termos do n.º 5 do artigo 13.º, “os órgãos e entidades a que se refere o artigo 4.º
prestarão, através dos seus funcionários, assistência ao público na identificação dos
documentos pretendidos, designadamente informando sobre a forma de organização e
utilização dos seus arquivos e registos.”
Por outro lado, a requerida deve prestar informação sobre a “existência e conteúdo”
desses documentos, nos termos do artigo 5.º.
Face ao exposto, deve a entidade requerida facultar o acesso aos documentos solicitados,
nos termos da LADA, com exceção daqueles que tem conhecimento estarem abrangidos
pelo regime do segredo de justiça.
Deve ainda a entidade requerida informar o requerente sobre a existência e conteúdo
das queixas identificadas por este.
Lisboa, 22 de março de 2016.
Pedro Madeira Froufe (Relator) – Antero Rôlo – Helena Delgado António – João Ataíde – João
Perry da Câmara – Paulo Moura Pinheiro – António José Pimpão (Presidente)
2 As atribuições da PSP encontram-se no n.º 3 da Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto (Lei Orgânica da PSP).
3 O acesso a processos de contrordenação pendentes rege-se pelas disposições do Código do Processo Penal,
entre as quais se inclui o regime do segredo de justiça, conforme o artigo 41, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de
27 de outubro na sua versão atualizada.
Consulte o documento em anexo com o texto integral.