Sumário: Da obrigatoriedade de elaboração do auto de identificação, de relatório e da
comunicação ao Ministério Público, bem como sobre o fundamento material da
condução do cidadão à Esquadra para identificação.
Por determinação constitucional o processo penal português é enformado pelo princípio
da oficialidade, uma vez que, nos termos do artigo 219.º da Constituição da República
Portuguesa, compete ao Ministério Público o exercício da ação penal1. O imperativo
constitucional consubstancia-se na natureza pública dos poderes de iniciativa e de
promoção do processo criminal, os quais obrigam um órgão de matriz judiciária o
Ministério Público2, isto sem embargo das faculdades concedidas aos ofendidos pela
prática de atos criminosos.
A titularidade da ação penal por parte do Ministério Público3 impõe, de forma
necessária, a atribuição de legitimidade para a prática dos atos enformadores da
existência do processo e do seu objeto, bem como da sua intervenção em todos os atos
suscetíveis de influenciar o sentido final da sua decisão e a efetivação das sanções decretadas pelos tribunais. Com efeito, a titularidade da ação penal só se entende e
ganha conteúdo pragmático se o estatuto processual do respetivo titular for integrado
por um conjunto de faculdades e de obrigações processuais que possibilitem a
existência e a definição, objetiva e subjetiva, da respetiva ação, a sustentação da
acusação perante o órgão jurisdicional nas fases subsequentes do processo, o controlo
das decisões jurisdicionais e a promoção da efetividade das sanções.
Destarte, compreende-se que a lei processual entenda que a intervenção dos órgãos de
polícia criminal4, no âmbito do processo penal, tenha uma natureza de mera
coadjuvação das autoridades judiciárias designadamente, no que ora releva, do
Ministério Público (cfr. artigo 55.º do Código de Processo Penal).
Assim, a larga maioria dos poderes de intervenção dos órgãos de polícia criminal no
processo penal têm como fonte a delegação de poderes por parte das autoridades
judiciárias (v.g. cfr. artigo 270.º do Código de Processo Penal), sendo que os poderes
próprios dos órgãos de polícia criminal se reduzem a um pragmático critério de
necessidade enformado por exigências de proximidade e de celeridade.
O Ministério Público – corpo de magistrados a exercerem funções nos tribunais – não
dispõe de agentes que procurem ativamente a notícia do crime e preservem os
respetivos meios de prova. Tal função está atribuída aos órgãos de polícia criminal.
Atentas as suas características organizativas (quantidade de elementos, dispersão pelo
território, de forma a cobri-lo na íntegra, e proximidade com a população) e legais
(obediência aos princípios da legalidade e da lealdade), os órgãos de polícia criminal
reúnem as condições materiais e legais necessárias ao cumprimento de uma função de
coadjuvação do Ministério Público no que concerne à deteção de situações reveladoras
da prática de crime e à salvaguarda dos devidos meios de prova.
Deste modo, o Código de Processo Penal, no seu artigo 248.º e seguintes, atribui aos
órgãos de polícia criminal a competência para a recolha e comunicação ao Ministério Público da notícia de crime, bem como para a realização de motu proprio de diligências
funcionalmente orientadas no sentido da obtenção e da preservação de meios de prova,
designadas por medidas cautelares e de polícia.
Por sua vez, estas medidas cautelares e de polícia são atos de natureza cautelar, de
matriz pré-processual, cuja legitimidade operativa resulta da mera impossibilidade de
comparência das autoridades judiciárias, o que importa o dever da comunicação para os
órgãos de polícia criminal.
Com efeito, o artigo 253.º ns.1 e 2 do Código de Processo Penal impõe que os órgãos de
polícia criminal que realizarem algumas das medidas cautelares e de polícia devem
elaborar relatório no qual descreverão, de forma sintética, as investigações produzidas, a
narração dos factos apurados e as provas recolhidas. Tal relatório deverá ser enviado à
autoridade judiciária casuisticamente competente para conhecer da validade da
diligência.
Quid juris no que concerne aos fundamentos da diligência?
A diligência de identificação coativa permite que os órgãos de polícia criminal
identifiquem qualquer pessoa que:
a) Se encontre em lugar público, aberto ao público ou sujeito à vigilância
policial;
b) Se sobre a mesma recaírem fundadas suspeitas da prática de crime, da
pendência de processo de extradição ou de expulsão, que tenha penetrado ou
permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si
mandado de detenção.
São, pois, dois os requisitos materiais que permitem a identificação: um de matriz
objetiva referente ao local onde o identificando foi encontrado pelo órgão de polícia criminal e outro de índole subjetiva concernente à existência de fundadas suspeitas
sobre o indivíduo a identificar5.
No caso de o identificando não possuir documento de identificação, nem lhe ser
possível obter tal documento ou ser reconhecido e identificado por pessoa identificada
por documento, pode o órgão de polícia criminal conduzi-lo à Esquadra para a
realização das diligências pertinentes à identificação do suspeito.
No entanto, estes casos de privação da liberdade – ainda que momentânea e precária –
devem, atenta a sua gravidade e as consequências na vida dos envolvidos, ser sempre do
conhecimento e acompanhados de perto por parte das respetivas cadeias de comando
que devem intervir sempre que detetarem qualquer irregularidade.
Só assim se pode garantir a eficácia da atividade policial e, do mesmo passo, a garantia
dos direitos dos cidadãos.
1. O Ministério Público é o titular da ação penal, competindo-lhe um estatuto
integrado por poderes de iniciativa e de promoção do processo criminal, nos
termos do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa.
2. Por determinação constitucional (cfr. artigo 219.º da Constituição da
República Portuguesa) o Ministério Público é o titular da ação penal,
competindo-lhe um estatuto integrado por poderes de iniciativa e de
promoção do processo criminal.
3. O Ministério Público dispõe de legitimidade para a prática dos atos
enformadores da existência do processo e do seu objeto, bem como da sua
intervenção em todos os atos suscetíveis de influenciar o sentido final da sua
decisão e a efetivação das sanções decretadas pelos tribunais.
4. A lei processual-penal impõe aos órgãos de polícia criminal a coadjuvação às
autoridades judiciárias designadamente, no que ora releva, do Ministério
Público (cfr. artigo 55.º do Código de Processo Penal).
5. A larga maioria dos poderes de intervenção dos órgãos de polícia criminal no
processo penal têm, como fonte, a delegação de poderes por parte das
autoridades judiciárias (v.g. cfr. artigo 270.º do Código de Processo Penal),
sendo que os poderes próprios dos órgãos de polícia criminal se reduzem a
um pragmático critério de necessidade enformado por exigências de
proximidade e de celeridade.
6. Atentas as suas características organizativas (quantidade de elementos,
dispersão pelo território de forma a cobri-lo na íntegra e proximidade com a
população) e legais (obediência aos princípios da legalidade e da lealdade) os
órgãos de polícia criminal reúnem as condições materiais e legais necessárias
ao cumprimento de uma função de coadjuvação do Ministério Público no
que concerne à deteção de situações reveladoras da prática de crime e à
salvaguarda dos devidos meios de prova.
7. O Código de Processo Penal, no seu artigo 248.º e seguintes atribui aos
órgãos de polícia criminal a competência para de motu proprio a execução
das medidas cautelares e de polícia, que são atos de natureza cautelar e com
matriz pré-processual, cuja legitimidade operativa resulta da mera
impossibilidade de comparência das autoridades judiciárias, o que importa o
dever da comunicação para os órgãos de polícia criminal.
8. O artigo 253.º ns.1 e 2 do Código de Processo Penal impõe aos órgãos de
polícia criminal que realizarem algumas das medidas cautelares a obrigação
de elaboração de relatório e do seu envio à autoridade judiciária
casuisticamente competente para conhecer da validade da diligência.
9. A razão da obrigatoriedade de elaboração do relatório centra-se na
necessidade que o Ministério Público e/ou o juiz de instrução criminal têm
de conhecer os exatos contornos da atividade policial orientada no sentido do processo criminal e no controlo da sua legalidade. O auto de identificação
cumpre tal desiderato na exata medida em que dele devem obrigatoriamente
constar as investigações realizadas pelo órgão de polícia criminal, a narração
dos factos apurados e das provas produzidas, o que permite o conhecimento
e controlo da legalidade das medidas cautelares e de polícia.
10. São dois, os requisitos materiais que permitem a identificação coativa de
pessoas: um de matriz objetiva referente ao local onde o identificando foi
encontrado pelo órgão de polícia criminal e outro de índole subjetiva
concernente à existência de fundadas suspeitas sobre o indivíduo a
identificar.
11. No caso de o identificando não possuir documento de identificação, nem lhe
ser possível obter tal documento ou ser reconhecido e identificado por pessoa
identificada por documento, pode o órgão de polícia criminal conduzi-lo à
Esquadra para a realização das diligências pertinentes à identificação do
suspeito.
12. Estes casos de privação da liberdade – ainda que momentânea e precária –
devem, atenta a sua gravidade, ser acompanhados de perto por parte das
respetivas cadeias de comando.
13. Esta recomendação visa garantir a eficácia da atividade policial na
implementação das práticas adequadas que assegurem o cumprimento da lei
processual penal evitando situações que os direitos fundamentais do cidadão
possam ser postos em causa.
Proceda às necessárias comunicações e registo.
Lisboa, 5 de janeiro de 2015
A Inspetora-Geral da Administração Interna,
1 Da titularidade da acção penal JOSÉ LOBO MOUTINHO retira, implicitamente chamando à colação
a teoria da consagração dos meios em função das finalidades, que a Constituição impõe que a direcção da
investigação está confiada ao Ministério Público, “Artigo 219.º da Constituição da República
Portuguesa”, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, coordenação de JORGE MIRANDA e de RUI
MEDEIROS, Coimbra, Coimbra Editora – 2007, p.218.
3 O Parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional qualifica esta função como “natural” ou “típica”
da estrutura do Ministério Público.
4 Que são todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos
ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo Código de Processo Penal, como
expressamente resulta do art.1.º al. c) do mesmo Código.
5 O Parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional qualifica esta função como “natural” ou “típica”
da estrutura do Ministério Público.
Consulte o documento em anexo com o texto integral.