Entidade requerida: Comando Metropolitano da PSP do Porto
1. A, na qualidade de Averiguadora de Sinistros solicitou ao Comando Metropolitano da
PSP do Porto diversos esclarecimentos sobre o âmbito da consulta de Participações de
Acidente de Viação, o último pedido incidiu sobre (cfr. pág. 2 do Processo
Administrativo – P.A.) «qual a legislação onde se declara que na consulta a documentos
administrativos podemos apenas “retirar notas ou apontamentos de dados constantes no
art.º 89.º do Código da Estrada, a identificação dos intervenientes e os proprietários dos
veículos, identificação dos veículos envolvidos, companhias seguradoras e respetivas
apólices, dados considerados suficientes para que os interessados fiquem cientes do
ocorrido e possam acionar todos os mecanismos legais, com vista ao normal desenrolar
do processo cível.».
2. Em virtude de não ter tido resposta e por não concordar com as informações
anteriores que lhe foram prestadas pela entidade requerida, apresentou queixa à
Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).
3. Convidada a pronunciar-se, a entidade requerida comunicou à CADA, o seguinte: (pág.
14 do P.A.)
“(…)
(…) a consulta das participações de acidentes, que não envolvam feridos, porquanto,
havendo-os, só podem ser disponibilizados pela autoridade judiciária, é efetuada nos
computadores de serviço dos departamentos policiais, sendo que os requerentes não são
impedidos de retirar notas ou apontamentos, no entanto os mesmos não se limitam a
recolher apontamentos mas a fazer uma cópia escrita integral das participações, sendo
este um processo muito moroso que causa um grande transtorno aos normais serviços,
impossibilitando o atendimento de outros utentes.
Sendo que, conforme foi a reclamante informada, o requerente tem outros meios de
acesso nos termos do art.º 13.º, n.º 1 LADA, no entanto implica o pagamento dos
respetivos emolumentos, previstos na Portaria n.º 1334-C/2010, de 31 de dezembro, que
muitos procuram evitar.”
1. A entidade requerida encontra-se sujeita à Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, diploma
que regula o acesso à informação administrativa e ambiental e a reutilização dos
documentos administrativos (doravante, LADA), conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo
4.º.
Serão deste diploma legal os preceitos mencionados, posteriormente, sem qualquer
outra referência.
2. Está em causa, somente, o âmbito da consulta de uma participação de acidente de
viação. Não se discute a legitimidade da requerente para o acesso. Pressupõe-se, assim,
que a requerida demonstra o interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente
protegido no acesso à informação, dado a participação de acidente de viação
consubstanciar um documento nominativo.
3. Dispõe a LADA no artigo 13.º, n.º 1 que “o acesso aos documentos administrativos
exerce-se através dos seguintes meios, conforme opção do requerente: a) Consulta
gratuita, eletrónica ou efetuada presencialmente nos serviços que os detêm; b)
Reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual, sonoro
ou eletrónico; c) certidão.”
Assim sendo, cabe ao requerente a última palavra na escolha da forma de acesso. No
caso concreto, a forma escolhida foi a consulta gratuita.
4. Refere ainda o artigo 15, n.º 1, alínea a) que a “entidade a quem foi dirigido o
requerimento de acesso a um documento administrativo deve, no prazo de 10 dias: a)
comunicar a data, local e modo para se efetivar a consulta, se requerida.
Cabe, deste modo, à requerida estruturar a forma como se vai operacionalizar a
consulta.
5. Na situação em apreço, a requerida não impede a consulta, mas não deixa que a
requerente retire a informação que lhe aprouver, por ser “um processo muito moroso
que causa um grande transtorno aos normais serviços, impossibilitando o atendimento de
outros utentes.”
Trata-se, assim, fundamentalmente, de um problema de escassez de meios humanos e
técnicos.
“Pelo que, na circunstância, não caberá à CADA relembrar, senão, a doutrina já firmada ainda que no quadro da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto2.
Assim, no Parecer da CADA n.º 228/2004 afirmou-se que:
“o argumento da escassez de meios técnicos e/ou humanos, que pode ser pertinente, não
deve servir de fundamento para impedir ou limitar de forma inaceitável o direito de
acesso à informação pelo que deve o Presidente da Junta procurar a melhor forma de
conciliar os dois interesses em causa, recorrendo se necessário ao fornecimento das
cópias requeridas de forma faseada”;
Igualmente, no Parecer da CADA n.º 22/2004 assinalou-se que:
“[S]obre as dificuldades de Recursos Humanos, referidas pelo órgão requerido, vale a
pena transcrever o Parecer n.º 22/2004 da CADA, de 22 de Janeiro (…) “Assim,
reconhecendo que o trabalho de recolha ou de reprodução de documentos não deve
perturbar para além do aceitável, o funcionamento dos Serviços Públicos, estes deverão,
se necessário, tentar conciliar o seu normal funcionamento com a satisfação do direito
dos queixosos, pela forma que acharem conveniente, designadamente permitindo a
consulta ou recorrendo à reprodução dos documentos de forma faseada, de modo a
encontrar o justo equilíbrio entre o funcionamento dos serviços e o direito de acesso dos
requerentes”. No caso em apreço, face ao volume de documentos em questão, bem como
às dificuldades de Recursos Humanos existentes na Junta, esta Comissão é de parecer que
o acesso deverá ser facultado de forma faseada, dando-se ao requerente a possibilidade
de indicar a ordem pela qual pretende ver satisfeito o seu pedido”.
Por sua vez, no Parecer da CADA n.º 261/2005 referiu-se que:
“os pedidos se reportam a um extenso rol de documentos; o seu rápido deferimento
apresentar-se-á impraticável, pois implicará uma prévia busca e pesquisa, a fim de os
localizar. Ora, as entidades que integram a Administração Pública (central, regional ou
local) estão, todas elas, ao serviço dos cidadãos, em geral, e não de cidadãos, em
particular e, portanto, da satisfação de um pedido de acesso não poderá resultar prejuízo
para a atempada e cabal prossecução das atribuições dos serviços em causa nem para o
correcto exercício das competências dos respectivos órgãos. O acesso deverá, portanto,
ser facultado à medida que seja possível”;
Finalmente, no Parecer da CADA n.º 152/2006 afirmou-se que:
“[A] CADA tem entendido que a falta de meios, técnicos e/ou humanos, não pode
constituir fundamento para a inviabilização do direito de acesso à informação. Por outro lado, também tem sustentado que a satisfação desse direito de acesso não deve pôr em
causa o regular funcionamento dos Serviços Públicos. Deve, por isso, procurar-se o justo
equilíbrio das situações; com recurso ao fornecimento faseado de fotocópias, por
exemplo, assim se conciliando a satisfação do direito fundamental de acesso à informação
com o assegurar do normal funcionamento dos Serviços.
A CADA também tem entendido que, quando se mostre necessário o faseamento da
satisfação dos pedidos de acesso à informação, deve o facto ser comunicado ao
requerente, oferecendo-se-lhe, desde logo, a possibilidade de indicar, querendo, uma
ordem de preferência pela qual deva ser satisfeito o pedido».
E, por outro lado, a ressalva contida no nº 5 do artigo 11º da LADA, exactamente porque
susceptível de configurar uma restrição ao exercício dum direito fundamental, só deverá
operar nos casos em que seja manifesto que a disponibilização “envolva um esforço
desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos documentos”, cumprindo à
entidade demandada a alegação e prova dos factos demonstrativos dessa desproporção».
7. Finalmente, deve acrescentar-se que para o tipo de situações em equação é a próprio
Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8 (regime do sistema do seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel) que estabelece uma determinação específica de
acesso: «o auto de notícia é colocado à disposição dos intervenientes nos acidentes de
viação suscitadores de responsabilidade civil automóvel, suas empresas de seguros ou
representantes, sendo-lhes facilitada a consulta e, se requeridas, fornecidas certidões e
informações» (do artigo 78.º, 6). A entidade não poderá, pois restringir, antes terá que
facilitar a consulta, tal como lhe determina a lei.
Face ao exposto, deve a entidade requerida permitir o acesso pela requerente, sem
restrições, à consulta da participação de acidente de viação, desde que esteja habilitada
para tal, procurando encontrar um justo equilíbrio entre o direito de acesso e o normal
funcionamento dos serviços.
Lisboa, 19 de dezembro de 2017.
Renato Gonçalves (Relator) – Antero Rôlo – Fernanda Maçãs – João Miranda – Luís Vaz
das Neves – Alberto Oliveira (Presidente)
2 O texto do artigo 13.º, n.º 6, da atual LADA é também igual ao do artigo 11.º, n.º 5, da LADA precedente.